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“Ao sul, ao sul, está quieta esperando Montevidéu”

7 de maio de 2014

                                                                                                       Pasatiempo

                                                                                                                                   Mario Benedetti

Cuando éramos niños
los viejos tenían como treinta
un charco era un océano
la muerte lisa y llana
no existía

luego cuando muchachos
los viejos eran gente de cuarenta
un estanque era océano
la muerte solamente
una palabra
,
ya cuando nos casamos
los ancianos estaban en cincuenta
un lago era un océano
la muerte era la muerte
de los otros

ahora veteranos
ya le dimos alcance a la verdad
el océano es por fin el océano
pero la muerte empieza a ser
la nuestra.

Devo a querida amiga Daniela o prazer de me apresentar a obra do grande escrito uruguaio Mario Benedetti,  ao visitá-la em Brasilia a encontrei encantada com o livro A Trégua, durante minha estadia leu algumas belas passagens para mim e na hora da minha partida carinhosamente me presenteou com o livro, o qual avidamente devorei. Daquele momento em diante a paixão se instalou e uma viagem ao Uruguai começou a passear pela minha cabeça, mais precisamente Montevideu, cidade onde Benedetti eterniza  em diversas obras suas, praças, esquinas, ruas, cafés e principalmente o jeito de ser do montivideano. Andar por Montevidéu é simplesmente delicioso, as pessoas andam sem pressa, não se ouve buzinas,é o compasso dos passos.Penso que os uruguaios sabem que o tempo presente é o mais precioso que temos, então eles o usufruem com tranquilidade, vão devagar, tomam café devagar, afinal sabem viver. 

Palácio Salvo- Montevidéu

Palácio Salvo- Montevidéu


Eu e Roberto seguimos o ritmo uruguaio através do traçado de Benedetti, inclusive a fundação Mario Benedetti lançou o Guia Benedetti, que está no site e é distribuído na  Puro Verso,  linda livraria que merece uma visita prolongada, nos seus dois endereços. O guia traz citações de ruas onde viveu, lugares onde trabalhou, cafés presentes em sua obra e cafés que ele frequentava, o Café Brasileiro(também frequentado por Eduardo Galeano), o Café Las Missiones citado no livro A Trégua, o ex Café Sorocabana, hoje Big Mamma onde escreveu a maior parte do livro A Trégua.

Parte superior do Café Big Mama, antigo Café Sorocabana, onde Benedetti escreveu grande parte do livro A Trégua.

Parte superior do Café Big Mama, antigo Café Sorocabana, onde Benedetti escreveu grande parte do livro A Trégua.

O interessante é que são belos cafés, mas são sem ostentação, o uruguaio é sábio e simples. É muito bom sentar em um café em Montevidéu, com uma nesga de sol perpassando um xícara de café enquanto uma medialuna(croissant) gruda no céu da boca. Momentos como diz Daniela inenarráveis.


Benedetti foi exilado político, viveu no Peru, Cuba, Argentina e Espanha, muitos dos seus livros tratam desta temática  e que a mim também interessa muito, sendo assim não poderíamos deixar de visitar o Museu de la Memória, onde a história da ditadura militar no Uruguay e em outros países da América Latina é contada, para nunca ser esquecida. Ficamos completamente sem palavras ao acompanhar a exposição em homenagem a “tres luchadoras sociales,Silvia Reyes, Diana Maidanic y Laura Raggio”, as três foram cruelmente assassinadas pela policia da ditadura, duas tinham apenas 19 anos e Silvia com 21 anos estava grávida. Na exposição estão suas fotos, cartas de quando estiveram presas e até uma boneca de pano confeccionada por Diana.
Não consigo entender como seres humanos são capazes de cometer estas atrocidades e continuam impunes ainda no Uruguai e no Brasil, ainda bem que a comissão da verdade tem nos trazido conforto.O museu no momento também apresenta outra exposições muito interessante,  sobre”los vuelos de la morte “que trata da operação Condor que consistia em jogar de pleno voo pessoas vivas para o mar, a operação foi coordenada pelas ditaduras do Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai, Paraguai e Chile. A exposição está primorosa, nos levando a profundas reflexões, aliás todo o museu nos faz refleti muito.

O segundo macacão era o uniforme de presidiário do grande presidente Mujica, que foi preso político. Lutou contra a ditadura no Uruguai.

O segundo macacão era o uniforme de presidiário do grande presidente Mujica, que foi preso político. Lutou contra a ditadura no Uruguai.

Museu de la Memória

Museu de la Memória

Deixando as tristezas de lado, passear pela feira de domingo que acontece na rua Tristan Navajo e segue através de diversas outras ruas  é um prazer, frutas, legumes, livros, artesanatos e antiguidades se entrelaçam com sons de grupos musicais, uma verdadeira festa.

Feira Tristan Navajo

Feira Tristan Navajo

Pelos passeios, as lojas de antiquariato, sebos e cafés  ficam abertos nos convidando  a entrar, inclusive indico o sebo Babilônia, o lugar é muito bacana e o vendedor um apaixonado pelo oficio, dá gosto ver. Na área onde concentram as bancas de antiguidade, claro que me seduziram e não resisti, comprei um conjunto de borrifador de perfume antigo, preço ótimo, vendedora que também vende rendas e paninhos antigos é uma pessoa muito agradável. Com as sacolas na mão, fomos andando e dei-me conta quando parei no Bar Sportman(também citado na obra de Benedetti), que havia esquecido dos borrifadores, lá fui eu novamente correr a longa feira atrás dos meus mimos. Graças a Deus lá estavam  me esperando e a senhora aliviada por eu ter voltado.

Sebo Babilônia, Calle Tristan Navajo

Sebo Babilônia, Calle Tristan Navajo

Nos dias que ficamos em Montevidéu fomos algumas vezes ao Bar San Rafael, simpático bar restaurante localizado na calle San Jose, esquina com a calle Zelmar Michelini, nesse bar Benedetti fazia diariamente suas refeições nos seus últimos anos de vida, lá uma foto sua sinaliza seu local preferido, claro ao lado da janela, onde podia observar o correr da vida.Na janela está plotado seu poema Pasatiempo, com o qual começo este post. Além de comida boa com preço justo os garçons são ótimos e recordam com carinho da figura extraordinária que foi Benedetti, simples, amável e bem humorado. Não posso deixar de falar de outros prazeres que tive em Montevidéu, como ir ao Mercado del Puerto e comer a deliciosa carne uruguaia, fomos ao restaurante Dom Garcia, mais simples que os outros e frequentado na sua grande maioria por nativos, o atendimento é alegre e cordial, fica  no fundo e não aparece como os outros.Depois pegamos um taxi e fomos conhecer o Taller Girosur, este precioso atelier faz artesanalmente relógios, bússolas e mapas, que funcionam ao contrário e são lindamente decorados. Os artesãos proprietários Ernesto e Aldo são extremamente gentis e pacientemente nos explicou que a realização desses relógios, bussolas e mapas surgiu do desejo de reconstruir a orientação natural que nos dá a região que pertencemos. Utilizando o giro que harmoniza com o hemisfério. Ressaltando a importância do Sul para mudar o olhar e não medirmos mais pelos olhos dos outros, tanto econômica quanto culturalmente.O trabalho também é apoiado na visão do artista Torres Garcia, que em 1946 fez um mapa com a mesma direção. Merece uma visita, e não pensem que chegaram ao lugar errado, pois realmente não existe placa do atelier, mas é só tocar a campainha no número 2065 da Calle Justicia que você será muito bem recebido.

Outro lugar que visitamos e que não poderia deixar de contar um pouquinho foi a visita ao Museu Andes 1972, que conta a história dos sobreviventes da queda do avião que  em 1972 levava quarenta e cinco uruguaios, na sua maioria jogadores de rúgbi amador e se chocou contra uma montanha nos Andes, vinte e seis sobreviveram ao choque, mas só dezesseis conseguiram sobreviver até serem resgatados, foram 72 dias cercados por rocha e gelo a temperaturas baixíssimas, quase sem alimentos, ficaram conhecidos como “Sobreviventes dos Andes” e foram tema de filme e de livros. O museu conta esta história através da exposição de partes do avião, objetos pessoais dos passageiros e de descrição detalhada dos 72 dias, em posteres. O que achei mais legal na visita é que após percorrer a exposição uma senhora aborda o público e pergunta se deseja saber mais, como gosto de uma boa história, ela nos contou em detalhes tudo que queríamos saber, de como os sobreviventes se organizaram e fizeram rotinas, de como estavam habituados a trabalhar em equipe, da decisão de comer carne de companheiros que haviam morrido como única alternativa para sobreviver. Tivemos a oportunidade de conhecer o senhor que montou o museu e que nos falou do mesmo como um espaço para treinamentos motivacionais. Vale a pena conferir.

Para concluir não poderia deixar de falar no uruguaio mais famoso do momento, o presidente Mujica, queria muito vê-lo, mas não foi possível, na semana que passei em Montevidéu ele estava com dores na coluna, mas mesmo assim fui ao palácio de governo, onde me disseram que ele costuma sair pelos fundos no seu fusquinha, cheguei até a procurar, mas não vi, deixei meu abraço com o guarda, afinal tantos amigos pediram que eu transmitisse abraços que a pessoa com mais probabilidade de vê-lo que encontrei foi o guarda. Sem problemas, a viagem foi linda e fechamos com chave de ouro ao sairmos atrás do tambores que tocam Candombe.Domingo a noite em uma esquina no bairro Sur rapazes vão chegando com os tambores, fazem uma fogueira e em  volta dela os colocam para esquentar, depois calmamente vão buscando o ritmo lindo e pulsante, saem tocando e nós maravilhados atrás. Procure se informar caso queira conferir, é sempre no bairro Sur,por volta das 19 horas, nos informaram que os encontraríamos na Calle Gonzalo Ramirez com Aquiles Lanza, mas acabamos os vendo na Calle Soriano com Av Constituynte, por isto é melhor conferir no seu hotel ou com taxista. Boa dica, táxi em Montevidéu custa pouco e os taxistas têm  um ótimo papo, inclusive são guias de detalhes interessantes. Agradeci a Deus mais esta viagem e por ter meu maravilhoso companheiro que as fazem muito melhor. E como disse Benedetti ” Ao sul, ao sul, está quieta esperando Montevidéu”.

Dedico este post a amiga Daniela Guimarães Araujo.

Roseli Cordeiro Pereira

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13 Comentários
  1. Cris Franco permalink

    Rose, vc esta sempre nos encantando e nos despertando a vontade de conhecer outras culturas. De estar sempre desbravando este mundao de Deus. SEus relatos sao envolventes e me fazem sonhar com a proxima viagem. Obrigada querida . Bjs

  2. Ei Cris, você também é uma viajante, gosta de sentir os lugares profundamente.

  3. Lucimar permalink

    Oi, amiga. Você realmente nos fascina com os seus relatos… é um banho de cultura a sua forma de nos contar a experiência de suas viagens incríveis. Parabéns “mui” belo o registro do Uruguai.Bjs

  4. Ei Lú você é uma grande parceira e tem descoberto os prazeres de conhecer lugares.

  5. Zenaide Duboc permalink

    Maravilha Rô! Obrigada por este presente cultural
    Beijos

    • Obrigada Zê, sempre é bom saber da sua opinião.

      • Tamires Souza permalink

        Olá tudo bem?
        Estou fazendo um trabalho sobre o livro “A Trégua” porem, tenho que relacioná-lo com a Engenharia Civil, como você viajou para lá deve ter uma experiencia incrivel,
        Gostaria de saber se tem como você me disponibilizar fotos de antes e depois, onde se descrevem as cenas do livro “A Trégua”, no que você puder me ajudar eu agradeceria muito
        Obrigada,
        Att. Tamires

      • Olá Tamires,
        para mim foi uma experiência incrível visitar Montevidéu através do olhar de Mário Benedetti,
        consegui visitar alguns lugares onde ele morou, frequentou,trabalhou. Sugiro a você entrar no
        site da Fundação Mário Benedetti, lá você conseguirá visualizar ou até baixar o guia de Montevidéu que
        relaciona os lugares com partes da sua obra.Penso que seja interessante você relacionar os locais referentes
        A Trégua e depois entrar no site de cada local e no google maps para ver a localização no espaço da cidade e se teve
        alguma alteração nos últimos anos. Por exemplo o Café Sorocabana onde Benedetti escreveu grande parte do livro A Trégua
        hoje é o Café y Bar Big Mamma, não consigo te dizer as alterações ocorridas na parte física do mesmo.Na obra ele cita praças e cafés
        que você pode comparar com a época que o livro foi escrito e como está hoje. O centro é muito preservado. Abraços Roseli.

  6. oi ! ROSELI
    Seu blog é um agrado….Parabéns!
    seus fãs ficaram órfãos …vamos lá continue no s brindar com suas viagens e histórias…
    estou te seguindo ….abraço!
    Eduardo Santos
    http://www.projetorotunda.blogspot.com.br

  7. lalavitoria permalink

    Olá, vou para Montevidéu no final do mês e fiquei super entusiasmada em conhecer o ateliê Taller Girosur, você sabe se eles só recebem em dinheiro ou aceitam cartão? O preço é bom ou é caro? Você recomenda levar dinheiro para os passeios ou dá para pagar tudo com cartão? O que você sabe sobre o câmbio…? Desculpe-me por tantas questões, mas realmente preciso saber e não tenho ninguém para me ensinar.
    Obrigada.
    Laís.

    • Lais, fique a vontade para perguntar. Os preços do Taller Girosur são bons,pelo menos eram em maio do ano passado,
      o local não é no centro, é melhor ir de táxi, na época não havia indicação na fachada, é uma casa simples, eu tive até dúvidas.
      Vi dos relógios na loja do Museu Torres Garcia, mas o preço é maior, quando fui não vendiam com cartão. Em Montevidéu existem muitas
      casas de câmbio, que trocam reais por pesos, acabei de verificar a cotação, hoje 1 peso= 0,407 reais,acho dinheiro melhor cartão tem taxa.
      Abraços.

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